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Batata Verra' La Morte e Avra' i Tuoi Occhi

Batata, fotógrafo afamado, mas só na cabeça dele.





O Batata sempre se apresentou como fotógrafo e jornalista de grandes cadeias de jornais. Vejam algumas pérolas tiradas da sua antiga Pentax 35mm

Foto 1 Foto 2 Foto 3 Foto 4 Foto 5 Foto 6


João Garcia escreveu: O Batata foi o rei das façanhas.



Luís Carlos, o Batata, e o amigo João Garcia
foto J. Cirilo


por João Garcia Duarte

Honorinho nasceu em berço esplêndido. Quando veio ao mundo certamente muitas coisas aconteciam nesta terra. O rio Amazonas, por exemplo, descia lento pelas selvas e um condor aproveitava as termas sobre os Andes peruano em lentos e grandes volteios a procura de algum animalzinho lá embaixo que pudesse matar.
Ele nasceu pequeno, uma coisica no colo da mãe, sempre enrolado num cobertozinho , novo e colorido. Com o indicador comprido a mãe afastava um pouquinho a coberta para ver seu rostinho, para certificar se estava respirando. Sempre estava, com aqueles olhinhos rasgados e fechados, os cabelos suaves, muito pretos. Era o grande, o maior amor que lhe acontecera.
De família de fazendeiros, também casara-se com um homem rico dono de gado, roças e até engenho de açúcar. A gravidez veio logo no primeiro mês após o altar. Passeando pela pracinha da cidade, nas manhãs tépidas e sem vento, ia descobrindo seu rostinho para mostrar aquela coisica querida ás amigas que se aproximavam.
Mamando no peito, Honorinho foi ganhando corpo. Quando tinha fome chorava muito e movimentava as perninhas exigindo o peito da mãe. O médico da família dizia que tinha muita saúde e que seria um homem muito forte.
De fato, o tempo foi mostrando que nada abatia Honorinho, nenhuma doença, nem gripe o danadinho pegava. Ganhava caixa e era forte como um bezerrinho zebu. Era forte, mas curtinho. O que um dia provocou o comentário da mãe ao pai:
- Honório, o Honorinho vai ficar baixinho...
Honório parece não ter prestado muito atenção ao que dissera a esposa: apenas fez um bilu-bilu carinhoso nos beicinhos do bebê e sorriu.
E assim foi crescendo Honorinho, rodeado de gente e de amor. O pai chegava da fazenda cansado, suado, retirava o chapéu e beijava suavemente o seu rosto. Logo suas perninhas curtas deram os primeiros passos, levaram os primeiros tombos. E não demorou Honorinho já estava correndo pela casa, depois pela pracinha. Aquela coisinha pequena se movimentando como um corisco por entre os móveis da casa e a mãe pressurosa correndo atrás para retirar da sua frente coisas perigosas: vasos, copos, pratos, garfos. Na pracinha, era soltá-lo no chão e Honorinho já disparava em direção as rosas coloridas do jardim. Um dia, espetou-se num espinho. Mas, para espanto da mãe, não chorou, chupou o sangue que lhe saía do dedinho.
O pai Honório morreu muito cedo, uma febre desconhecida o levou e Honorinho nem chegou a conhecê-lo, a lembrar de seu rosto.
Muito pequeno, a morte do pai parece que não abalou Honorinho, começou a falar no tempo certo e mostrou-se logo um menino ativo e muito curioso: ficava tempos olhando figuras em livros que obrigava a mãe a derrubar no chão da sala para seu deleite diante de tantos coloridos. E não demorou também a começar a fazer perguntas desconcertantes:
- Mamãe, por que a gente não tem rabo?
Foi à escola e se destacou por surpreendente caligrafia para um menino daquela idade. Sua letrinha parecia um desenho de bom gosto. Se mostrava curioso, interessado, a tudo perguntava a professora. Para muitas das perguntas de Honorinho, a mestra não tinha respostas.
A mãe acertara: Honorinho teria estatura pequena, tanto que na escola, na percepção rápida das crianças, ganhou o apelido de Tampinha. Uma coisa que a mãe não esperava e foi descobrindo aos poucos, é que Honorinho não enxergava bem. Por isso, aos sete anos, passou a usar óculos.
- Tampinha! Quatro Ôio!- gritavam os moleques da escola.
Honorinho chegava chorando em casa:
- Mamãe, eles estão me xingando...
- Xingando? De que, meu filho?
- De Tampinha, de Quatro Ôlho...
- Não liga não, meu filho, eles são bobos...

A mãe era ainda muito jovem e não demorou a casar-se pela segunda vez, com um parente e logo começaram a nascer os filhos do segundo casamento: três. Nunca se conseguiu descobrir se o segundo casamento da mãe, de alguma forma, afetou Hororinho.
O fato é que de família muito católica e morando em frente à igreja matriz, Honorinho desde cedo freqüentou com assiduidade o templo católico. E estreiou como anjo na procissão do Santíssimo: aquele menininho de óculos, compenetrado, com duas grandes asas brancas pelas ruas da cidade em passsinhos sizudos. Não demorou, tornou-se coroinha, respondendo tudo em latim. Como aprendia com facilidade! O padre, um espanhol retaco comentou com a mãe:
- Honorito és um gênio!
Todos esperavam, quase tinham certeza, que Honorinho seguiria a carreira eclesiástica, seria um padre, um bispo, porque não?
Ao superar com facilidade os quatro primeiros anos do grupo escolar na cidadezinha , nada mais acertado do que mandá-lo cursar o ciclo ginasial em colégio interno na cidade grande. De lá, certamente Honorinho sairia mais preparado para a missão a que estava destinado: uma bonita carreira que certamente galgaria com brilhantismo todos os degraus da Santa Madre Igreja Católica. A mãe chegou a sonhar com alguém anunciando no alto falante do Vaticano: agora ouviremos as palavras de Sua Santidade, Honório VI! E ele aparecia naquela ampla janela em vestes brancas acenando com gestos suaves aos povos do mundo.
Do tempo que Honorinho passou no colégio interno as informações são escassas, pouco se sabe. Apenas que quando a mãe foi buscá-lo para passar as férias em casa teria recebido um advertência do padre responsável pela turma dos Menores: é um bom aluno, mas muito mentirozinho.
A mãe não se preocupou, passou suavemente as mãos em seus cabelos e pensou : mentirozinho não; imaginativo. Mas no carro, a caminho de casa, com muito jeito ela resolveu adverti-lo:
- É muito feio mentir, meu filho...
- O que é a mentira, mamãe?
- Aquilo que não é a verdade?
- E o que é a verdade, mamãe?
A mãe, de boa educação, mas de instrução limitada, e amor ilimitado ficou em dúvida e em resposta apenas lhe acarinhou mais uma vez.
Mas como na vida nem tudo que reluz é ouro e nem todo coroinha chega a papa aconteceu o mais provável: Honorinho não seguiu carreira eclesiástica. Aliás, nenhuma. Terminado o ginasial e o colegial sempre com boas notas, ninguém sabe porque , parou de estudar. Voltou para a casa da mãe na cidadezinha e lá ficou. Deu de freqüentar a bares e a beber muitas cervejas. Ninguém conseguia entender como Honorinho com aquele corpo franzino agüentava beber tanto. Varava duas, três noites e dias sem dormir, só bebendo. Depois compensava: dormia dias seguidos. Nunca se queixou de dor de cabeça ou ressaca. Era mesmo um forte.
Com a morte do pai, um administrador de confiança cuidava das fazendas, dos negócios. Dinheiro não faltava e Honorinho torrava dinheiro à vontade. A mãe, extremamente apaixonada por ele, nunca o recriminava: a Honorinho o que é de Honorinho, isto é, tudo.


Se Honorinho marcou sua infância e primeira juventude com muito estudo e religiosidade, a terceira parte de sua vida, de fato a mais importante, foi marcada pelos bares, bebedeiras.
Às vezes, quando se cansava da mesmice da boêmia da cidade pequena, alugava um táxi para ir beber na cidade grande. Lá, depois de alguns copos gostava de se passar por alta patente militar. Era só entrar um soldado no bar ele se levantava na mesa e chamava:
- Soldado, venha cá!
O rapaz de farda aproximava-se surpreso.
- Posição de sentido, soldado!
Atônito o soldadinho ficava sem saber que atitude tomar.
- Já disse, soldado, sentido! Eu sou o major Lara, sentido!
Na dúvida o soldado se colocava em posição de sentido.
- Continência, para o seu superior, soldado!
E o soldado humildemente lhe prestava continência.
- Está dispensado, soldado!
Quantas vezes, Honorinho fez isso. Mas certa noite ele se deu mal. Sem mais nem menos se antipatizou com um loiro alto que estava dando gargalhadas ao lado de sua mesa. Pôs-se de pé e com as duas mãos sobre a mesa se dirigiu ao loiro:
- Quer fazer o favor de parar com essas gargalhadas!
O homem encrespou:
- O quê?
- Quer fazer o favor de parar de dar risada?!
- Olha aqui rapaz- respondeu o loiro já se levantando e apontando o dedo para o peito de Honorinho- quem é você para me dar ordem?
- Eu sou o major Lara do Décimo Sétimo Regimento de Cavalaria e o senhor se considere preso!
O loiro se desvencilhou das cadeiras e se aproximou bufando de Honorinho:
- Mostre-me seus documentos!
Honorinho não tinha. Mas o loiro tinha, puxou do bolso e mostrou: era nada menos do que o capitão Augusto Nunes Vilela, por coincidência do mesmo Décimo Sétimo Regimento de Cavalaria. O capitão fez um gesto para o dono do bar que pegou rapido o telefone. Em pouco tempo uma viatura estacionou em frente ao bar e desceram um cabo e dois soldados:
- Quem é o vagabundo, capitão? – perguntou o cabo .
- Aquele baixinho ali, leva pra dormir na cadeia...
Outra noite, reconhecendo entre os freqüentadores um historiador da região, se apresentou educadamente a ele , mas em seguida soltou:
- Sabia que o seu livro é uma merda?
O livro podia ser mesmo uma merda, mas o autor era um homem sarado, de quase dois metros de altura e se engalfinhou com Honorinho. Depois de muito lhe socar e estapear, jogou-lhe ao chão , pisou sobre o seu pescoço e perguntou:
- Chega ou quer mais?
Ao que Honorinho respondeu esganiçado com o sapato do homem a lhe apertar o pescoço:
- Cansou , filho da puta?
Se para nós, mortais, a verdade é uma coisa muito clara, cristalina, para Honorinho sempre foi muito controversa. Nunca, ninguém, nem sua querida mãe, conseguiu tirar dele uma informação segura, precisa. Por isso, nunca se sabia o que de fato fazia, pensava, sofria ou amava. A impressão de quem o conheceu mais intimamente , como nos versos do poeta Fernando Pessoa, era de “um fingidor, que sente fingir que é dor, a dor que deveras sente.”

O Batata em 1970, aos 30 anos.

Se passava por alta patente que não era, se passava por fazendeiro que não era, se passava por antropólogo com formatura na Usp, que também não era, por piloto de avião, mas sem dúvida era um intelectual: quando não estava bebendo tinha sempre um livro a mão. Mas não explorava seus conhecimentos, sua quase erudição, derramava-a gratuitamente pelos bares procurando com ela sempre um pé para a polêmica, para brigas, ofensas ferinas. Parece que só o contencioso lhe dava prazer.
Nunca ninguém viu Honorinho chorando, ou reclamando da vida. Nunca se culpava de nada, a culpa, se é que havia, era sempre dos outros. Iniciava a bebedeira de maneira alegre, mas com o andar dos copos, transformava-se em amargo, ferino. Amou alguém, se apaixonou alguma vez? Não se sabe.
Além dos bares, também gostava de freqüentar as zonas de meretrício. Entrava no quarto com as mulheres e depois de muito beber e conversar a coisa encrencava e ele partia para cima delas com a cinta.
Certa vez, não se sabe como, arrumou para dar aula de Comunicação e Arte numa faculdade na cidade grande. Começou bem: deu as duas primeiras aulas e depois desapareceu. Os alunos reclamaram e o diretor deu um ultimato a Honorinho: ou dava aula, ou perderia o emprego.
Apareceu na sala de aula e os alunos cobraram sua ausência, afinal, suas aulas eram até que interessantes. Como sempre deu uma desculpa:
- Eu não estou tendo tempo para nada. Nem para lavar a cueca...
Abaixou a calça e mostrou a cueca, realmente quase preta de sujeira. Foi gargalhada geral na classe. Mas o diretor ficou sabendo e não gostou. Honorinho perdeu o emprego.
Voltou para a cidade natal e para os bares de sempre. Dizem que perdeu várias fazendas em bebedeiras e na compra de bobagens. Uma delas , por exemplo: comprou pelo correio um par de escafandros com cilindro e tudo. Certa madrugada a mãe acordou com uma barulheira de água. Saiu da cama e percebeu que o chão do quarto estava todo alagado. Saiu rápida em direção ao barulho que vinha do banheiro e deparou-se com cena insólita: Honorinho e um amigo, com escafandros no rosto e calçando pé de pato mergulhavam na banheira cheia fazendo um barulhão.
- Honorinho, meu filho, o que é isso?!- gritou a mãe desesperada.
- Não se preocupe, mamãe, estamos testando o equipamento.
Nunca se soube que Honorinho tenha mergulhado em rios , em mares, só mesmo aquela vez, na banheira de casa naquela madrugada.
Conta-se também que certa vez, Honorinho se apaixonou ( mas ninguém sabe mesmo ao certo se ele era capaz de se apaixonar) por uma moça muito bonita, também filha de fazendeiros e que nem lhe dava bola. No dia do aniversário dela, o que ele fez? Foi até uma cidade vizinha, comprou sacos de flores, alugou um Teço-Teco e ficou sobrevoando e jogando flores sobre a casa da moça. Todo esforço e dinheiro gasto em vão: as flores acabaram caindo no quintal de uma preta velha . Dizem que a preta até chorou de alegria, pois que rosas lhe caíam do céu. Já a moça nem teria visto , percebido a homenagem.
A paixão, ou interesse, ou desejo de aventura, seja lá o que fosse, parece ter durado. Nos bailes no clube da cidade, Honorinho bebia e não tirava os olhos da moça.O clube tinha dois andares, e o nosso herói estava no de cima, observando com os braços apoiados num parapeito de madeira, a sua bela amada lá embaixo, acomodada à mesa junto com a família. Ela percebia o grande interesse de Honorinho, e podia também até estar interessada, mas evitava o flerte pois sabia que teria pela frente grandes complicações.
Já muito bêbado, inadvertidamente Honorinho colocou o peso do corpo sobre o parapeito e ele quebrou. Foi aquele escândalo, com Honorinho se estatelando lá embaixo sobre a mesa da família da moça. Foi aquela barulheira de garrafas e copos caindo.
Segundo testemunhas, ao cair, um dos sapatos de Honorinho saiu do pé e ficou a mostras uma meia vermelha furada no dedão e um cheiro insuportável de chulé. O caso com a moça parou por aí.

Com o amigo Alexandre Castro Souza Lima


Tempos depois, Honorinho encasquetou que ia ser fazendeiro no Mato Grosso. Como nunca era contrariado a mãe deu- lhe o dinheiro para que comprasse muitos alqueires de terra na região de Amambaí, quase divisa com o Paraguai. Lá iniciaria uma grande criação de gado. E para lá seguiram Honorinho e um capataz de confiança.
O tempo foi passando e de vez em quando chegava uma cartinha: “mamãe, preciso de dinheiro para vacinar o gado”; “ preciso para comprar quinze touros”; “preciso para consertar as cercas...” Não havia mês que não chegava cartinhas pedindo mais dinheiro, mas sempre acompanhada de notícias alviçareiras: “o gado está muito bonito mamãe, gostaria que a senhora visse...” “ Nasceram este mês quarenta bezerros muito saudáveis...” “ Derrubei trinta alqueires de mato e já formei tudo em pastos, o capim está crescendo que é uma beleza...” “Fiz uma reforma e ampliação da casa da séde da fazenda, agora posso hospedar folgadamente às visitas, são doze quartos. Venha mamãe, venha conhecer este lugar que é muito bonito e tenho certeza de que irá gostar muito...”
E a mãe, em sua apaixonada ingenuidade pelo filho, sempre a lhe enviar remessas e mais remessas de dinheiro. Passado um bom tempo, dizem que mais de dois anos, um parente alertou que era bom mandar alguém ao Mato Grosso para ver o que andava acontecendo por lá.
Foi destacado um parente fazendeiro, um sessentão de respeito, que entendia muito de fazenda , de gado e finanças.
Depois de muito indagar o enviado conseguiu localizar a fazenda. Mas ao chegar, deparou-se com cena desoladora: a tal sede da fazenda com doze quartos era nada mais do que uma taperinha velha de sapé com um monte de garrafas de pinga vazia para todo o lado; no terreiro um galo branco e cego e duas galinhas carijós magérrimas. Ali, o enviado só encontrou um cabôclo velho também magro, com as costelas aparecendo e completamente bêbado. Perguntou pelo Honorinho e o velho indicou com o dedo que o “sô Honorim” estava lá pra baixo, no meio do pasto, “ por debaxo dum arvão.”
O enviado se dirigiu para lá e no caminho foi percebendo que a propriedade estava completamente abandonada, não havia pastos, apenas um carrascal danado, as cercas todas caídas , arame farpado enferrujado. Gado? Viu apenas umas duas ou três cabeças de bezerros magros e diarrêicos.
Por fim deparou-se com Honorinho, como indicado pelo caboclo, realmente debaixo de uma grande arvore. Sem camisa, suando em bicas, quase irreconhecível, com as barbas já quase chegando ao umbigo, estava acompanhado do capataz de confiança, de dois índios paraguaios e de umas cinco putas, todos completamente embriagados num ambiente fétido, rodeados de mosquitos. O calor era insuportável e numa vala com fogo insuficiente e muita fumaça que ardia os olhos, assavam churrasco. Carne de aparência horrível. A cabeça da rês, ainda sangrando, se via pendurada ao galho da arvore.
Homem educado, o enviado comprimentou a todos com certa reserva. Mas pouco adiantou a sua tentativa de manter um distanciamento formal daquele bando de bêbados. Logo uma puta, uma morenona com os peitos de fora, lhe enlaçou pelo pescoço, mordeu-lhe os mamilos e agarrou forte o seu pênis.
O enviado deu um pulo para trás, sorriu sem graça, deu uma desculpa dizendo que estava apenas de passagem, que veio só para trazer um bilhete para o Honorinho e que teria que ir embora pois muito ainda tinha que viajar.
Foi difícil se desvencilhar das putas e do Honorinho que também insistia para que ele ficasse, comesse carne, tomasse um golinho... Até sugeriu que também comprasse umas terras na região, pois que muito boas, produtivas e de preço muito convidativo.
Com o enviado já caminhando de volta, Honorinho abriu o bilhete da mãe e leu o que já esperava. Eram as recomendações de sempre: que se alimentasse bem, que estivesse sempre bem agasalhado, que ela todas as noites rezava por ele etc.
Diante do relato imparcial do enviado especial ao Mato Grosso a família se reuniu e, mesmo a contra-gosto da mãe, ficou decidido que as remessas de dinheiro ao filho seriam interrompidas de vez. Pois que especulando pelas redondezas o enviado especial havia descoberto também que Honorinho devia para todo mundo em Amambaí: nos bares, nos armazéns, na Boate Azul, na zona do meretrício e que, não tinha jeito, seria preciso vender a fazenda para saldar todas as dívidas.
Portanto, nada de mandar mais dinheiro para Honorinho pois que a fazenda estava completamente abandonada, quase sem gado nenhum e o rapaz estava torrando todo o dinheiro com putas e pinga. Com a interrupção de recursos, Honorinho seria forçado a voltar para a casa da mãe.


A cada carta de Honorinho que chegava a mãe chorava muito, queria lhe mandar dinheiro, dar tudo o que pedia, mas os parentes não deixavam.
Dito e feito, interrompidas as remessas ele não se agüentou no Centro Oeste. Não passaram dois meses e um dia Honorinho apareceu, maltrapilho, barbudo. Quando a mãe o viu entrar, a sala se iluminou, pois que para ela chegava o homem dos homens. O único sentido do universo. Correu para o abraço:
- Meu filho! Que bom que você voltou!
E logo correu para a cozinha para alimentar o filhote que estava magro, ou como ela mesma disse depois ao telefone a uma amiga:”muito caidinho...”
Mas, apesar da longa viagem , à noite, o “caidinho” já estava no bar.


O canto sacro e o mugido da vaca


Mais um texto do Batata, do fundo do báu, fechado às 16:38 do dia 13 de Setembro de 2001, três dias antes dele completar 61 anos. Nesta foto montagem, usei como pano de fundo a paisagem que ele via todos os dias. Tirou mil fotos deste plano. Até parece que ele retorna à sua velha casa pra tomar umas e outras com os amigos.
Gente chegando. Os vizinhos chegam montados, em carroças ou charretes. Soltam os animais no piquete atrás da capela. Arreata pendurada no telheiro perto da caixa d água.
Os homens chegantes logo formam “rodinhas”. Caçoadas e risadas. Alegria no encontro de camaradas. Cigarrões de palha azulam o ar parado.
As mulheres se aproximam com recato. Em primeiro, entram na capela para honrar o andor da Virgem. Trazem flores e ramos. Júbilo da Páscoa. Perfumes agrestes agradecem o dia festivo. As meninas acompanham as mães. Os moleques correm lá fora.
As confissões terminaram Padre Geraldo anuncia a saída da procissão. Duas filas paralelas são formadas. Homens à direita, mulheres na outra. O padre abre o préstito Carrega o ostensório e vai debaixo do baldaquino de cetim vermelho. Segurando as lanças do baldaquino estão oito fazendeiros da “Ordem de Cristo”. Vestem ópas vermelhas, também de cetim. Crianças vestidas de anjinhos vão logo atrás. O bloco das senhoras do “Apostolado da Oração” puxam as rezas Os Congregados Marianos a as “Filhas de Maria” orientam os cantos O andor de Nossa Senhora Aparecida está entre esses dois blocos e é carregado por oito homens que se revezam Vem a fila das crianças. Em seguida, a dos homens e mulheres casados. As duas alas dos solteiros fecham a procissão.
“Ave, Ave, Ave Maria - Ave,Ave, Ave Maria ” O canto se aproxima da curvinha do Ipê Amarelo, à meio caminho da ida. Logo abaixo está a cerca viva de “mamona-de-leite” que sombreia a caixa d água da colônia de baixo. Desta moita, ninguém até agora pode explicar porque, saiu, no repente, a vaca Fumaça. Parida de novo, vinte arrobas de hindu-brasil com a fama de carregar no cupim o próprio capeta Ela deu uma corrida transversal e, depois apontou na direção do séqüito Foi “memo” que jogar uma pedrinha em cima de um cardume de lambaris. Debandada geral. Alguns moleques treparam no ipê. Cada carregador do andor escolheu uma direção O padre sumiu. Saindo por debaixo da opa, apareceu um revólver. Homens formando um semi-circulo protegendo as mulheres que voltavam para a capela. Décão, valente como sempre, desviou a atenção do animal agitando a bandeira dos “Marianos”. Cuta, chegou montado e dominou a chifruda
Refeito o susto, refizeram a procissão que ficou cheia de risos.
No jantar, padre Geraldo comentou: “Aquela vaca Fumaça me abriu o apetite”. Tudo acabou bem. A bezerra parida se chama Procissão. Linda...


Batata, o Dom Quixote de Altinópolis.


por José Márcio Castro Alves

--- O Batata morreu, disse a minha irmã Ângela por volta das 19 horas do dia 28 de Dezembro de 2009.
Peguei carona com ela e fui pro velório em Altinópolis, chegando por volta das nove da noite. Pouquíssimas pessoas presentes. O Luiz Carlos de Castro Palma (Batata) estava com um terninho preto e camisa de gola bege, com uma gravata listrada de marrom escuro com preto, uma combinação esdrúxula e de um mau gosto indescritível, arquitetada pelos criadores da vestimenta mortuária, a funerária Bom Jesus, de Batatais.
Entufado de algodão nas narinas e a boca colada com super bonder, a expressão facial era a mesma do comediante Cantinflas, com as bochechas estufadas na véspera de pronunciar a sílaba pu, do puta merda.
Nenhuma lágrima foi testemunhada. A expressão de todos era de alívio, visto que qualquer aleijado por erro médico após 10 meses de penitência inigualável, sem pulmão e esperança, ao morrer, desperta a sensação de paz aos que ficam e do infeliz que se foi.
O charlatão que o operou tem ficha suja na sinistra capivara de erros médicos do HC de Ribeirão Preto. Na gaveta desses poltrões impunes, o Batata é apenas mais caso resultante da própria teimosia, incompetência, ignorância, falta de assunto, idiotice e tragédia financeira. O episódio será esquecido em poucos dias, ficando apenas o que interessa: a lembrança daquele homenzinho extremamente carismático e educado enquanto sóbrio, mas deveras alucinado e carregado de empáfia quando bêbado, o que ocorria após umas sete ou oito horas de cerveja.
Nos 50 anos de vida boêmia, o Batata quando bebia, nunca ficaria acordado e bêbado menos que 30 horas consecutivas, sempre varando o dia seguinte a dormindo só na outra noite, ao lado de maços e maços de cigarros e umas 5 ou 6 cervejas no outro dia, no máximo. Quando ia dormir, chegava a varar mais de 14 ou 15 horas num desmaio absoluto. Quando acordava, tomava um banho demorado e depois ia comer após 40 ou 50 horas de jejum absoluto. Nos dias posteriores, escondia de si mesmo para esquecer das loucuras que cometera, indescritíveis em níveis de insanidade alcoólica.


No Pingüim de Ribeirão sentava sozinho com a câmera fotográfica, uma teleobjetiva enorme e um passaporte, colocados em cima da mesa com o propósito de chamar a atenção. Proclamava-se um jornalista dos Diários Associados do Chateaubriant. À mesa, pós ressaca, chamava o padrasto de papai e puxava assuntos amáveis:
--- Papai, me passe a chicória... Bêbado o chamava de Néia, com voz alta e provocativa, sempre escudado no sobrenome Palma, uma trincheira equivocada para erros desnecessários. As vezes, durante algum surto, pegava o telefone e discava para Roma, Namíbia, Brasília, Miami, etc. --- É Palma, gritava quando alguém atendia, ciente de que o outro lado estava a tremer de medo como se estivesse falando com Hitler ou Stalin. Esse era o Batata bêbado e varado, sempre sentado sozinho, pois era insuportável quando alcoolizado.
Assim foi a vida toda. Um homem educado, receptivo e tolerante, agradável e de uma generosa companhia, mas sem álcool. Nos últimos 20 anos, a média dos fogos era de não menos que 6 ou 7 por mês. Sempre a mesma coisa. Começava a beber a tarde num boteco ou na casa dele quando algum amigo levava cerveja e o convidava. Varava a noite e o dia seguinte inteirinho, sempre até as 10 ou 11 da noite. Sempre nas madrugadas, na boquinha do outro dia, pegava a máquina fotográfica e ia pra janela ou a varanda fotografar o romper do dia com seus personagens habituais. Os mesmos personagens sempre sentavam no mesmo banco do jardim defronte a casa, nos mesmos horários. O Batata tirou fotos deles durante 20 anos, sempre no mesmo plano, o mesmo banco e o mesmo fundo, mas sempre se gabando de ter feito uma foto inédita.



Fotografia era o hobby do Batata. Tirou belas fotos e péssimas fotos nos quase 50 anos de máquina na mão. Ótimo papo até as primeiras cervejas e péssimo papo após as cinco primeiras, pois a partir daí encarnava um fazendeiro que não era, um escritor sem livros, um aventureiro sem aventuras, um jornalista com pouquíssimas reportagens, um patrão sem empregados e um coronel sem exército. Mas era um bom contista. Chegou a ser preso em Ribeirão Preto ao passar por um capitão que nunca fora.
Um oficial passara na rua e o Batata o chamou com um estalar de dedos e o nariz empinado:
--- Faça continência. Eu sou o capitão Palma.
O oficial respondeu:
--- Major Bezerra. Seus documentos.
O resultado foi um camburão estacinando no Pingüim em poucos minutos e o Batata levado à delegacia de polícia na Duque de Caxias onde ficou detido por mais de 24 horas.
Ele fez dessas falcatruas inúmeras vezes. Adorava comandar e viver cercado de subordinados, quando moço e quando bêbado.
Ao longo dos seus 69 anos fez inúmeros amigos, sempre admirado por todos. Sóbrio, tinha educação e fino trato, erudição. Leu muita coisa boa e muita porcaria. Achava Altinópolis a capital do mundo. Sem estar de fogo ele era o Batata, bêbado era o Palma, sobrenome do pai que falecera quando ele tinha alguns meses de idade. Herdara em 1940, com a mãe, a metade da fazenda Barra Grande, no município de Serrana. Após um ano e meio, a mãe, tia Filhinha, venderia a propriedade para o rico fazendeiro Mario de Souza Meirelles. Todos diziam que aquele menino era o homem mais rico de Altinópolis em dinheiro vivo, numa época em que quase não existia dinheiro. Após 18 anos, o capital da grande fazenda transformara-se numa boa casa na rua Rui Barbosa em Ribeirão Preto, que lhe rendia uma média de uns 4 salários mínimos de aluguel, em valores de hoje, o que ele gastava integralmente nas orgias de dois dias começadas no Pingüim e sempre terminadas na zona boêmia, sem um tostão sequer quando regressava. Naquelas 48 horas com dinheiro vivo no bolso, o Batata era o rei da gorjeta e o exemplo vivo dos perdulários e dos pródigos. Restabelecido da ressaca e da bebedeira, viajava na imaginação e nas fantasias dos personagens dos livros que lia. A mãe sempre o apoiava e ninguém ousava em contradizer suas fantasias e devaneios mentais, fato que se repetiu ao longo da vida. Não dava o braço a torcer quando era inquirido nas suas invenções de fatos impossíveis, a exemplo de ter tirado brevê e de ter pilotado um avião. O Batata nunca pilotou uma bicicleta sequer, mas andava com passaporte no bolso. Conheceu parte do mundo nos livros e no cinema, mas dizia-se íntimo de celebridades e de lugares que ele nunca conheceu.
Gentil, cortês e fraterno, sempre dava presentes caros a pessoas estranhas para afirmar-se rico. Jamais disse não sei. Eu era o único que o provocava.
--- Batata, quantas papisas existiu?
--- Duas, respondeu, no ato.
Peguei a enciclopédia Barsa e chequei.
--- Batata, aqui não consta nenhuma papisa.
--- Houve sim, inclusive eu estava até comentando isso com o coiso, etc.
Teimava, inventava nomes. Era irredutível.


Quatrocentos milhões de exemplos desse tipo forjariam sua personalidade ao longo da vida. Todos o conheciam e o respeitavam, não dando importância às alucinações lendárias que toda Altinópolis conhecia, de cabo a rabo. Afirmava-se jornalista o tempo todo e íntimo de muitos jornalistas populares, sem nunca tê-los conhecido pessoalmente. Satisfazia-se com essas intimidades e as proclamava com insistência.
Quando o aprentei à jornalista Rosana Zaidan, em 1990, disse que ela era uma jornalista da EPTV, do grupo do dr. José Bonifácio Coutinho Nogueira, família tradicional de São Paulo.
--- Conheci muito o dr. Bonifácio, afirmou à Rosana.
Acontece que o dr. Bonifácio era um homem importante, usineiro e banqueiro, uma pessoa discretíssima e muito reservada.
--- Conheceu onde? perguntou a Rosana.
--- Ele era o meu pediatra, respondeu o Batata, na lata, na bucha.
--- O dr. Bonifácio é advogado, Luiz, formado da USP nos anos 1940, foi político nos anos 1960 e nunca foi médico, respondeu a Rosana.
--- Pergunte pra mamãe. Ele ia sempre lá em casa em Campinas me consultar, me examinava e receitava, etc, etc.
Não deu o braço a torcer sobre o assunto.
Assim foi o Batata a vida toda. Um Dom Quixote desgarrado no tempo. Saudades das suas tiradas e sacadas inimagináveis, onde era muito gostoso ser o seu Sancho Pança, nas bravatas que nos fazia rir da vida e de nós mesmos, de um tempo delicioso e memorável, das aventuras e das infinitas noitadas nos bares, no sítio do meu pai, em Ribeirão Preto, nas mil festas e noitadas, na casa da vó Salomé que se transformou na casa do Batata, uma pessoa visitada por todos a vida toda, numa casa que não mais existe.
No céu, certamente será íntimo de N.S. Jesus Cristo, do qual foi um dos apóstolos. Foi ele que escreveu O Evangelho segundo São Batata, ainda no prelo.