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O conto velho que o velho contou.


Imaginem o fogo do Batata em véspera de fim de ano, precisamente às 7:39 hs da manhã de 31 de Dezembro de 2001, na boca do réveillon. É essa a data e a hora que consta em mais esse texto inédito que ora publicamos.

O sol estava escondido na sombra que eu fazia sobre a enxada. As minhas costas ainda ardiam do ardor do dia que ele iluminou e aqueceu, porém o suor já estava na camisa molhada e dava uma presença interior de tarefa cumprida.
Ontem, sexta-feira. Hoje, sábado na tarde. Beira do Sapucaí com quatro varas de pescar, desde lambari até a paixão de um sonho de três quilos. Isca eu tinha. Meio litro de milho fermentado, no capricho de oito dias por causa do tipo do rio; bom punhado de bolinhas de massa fervida no ponto e um naco de jabá, com quatro águas, para anzol maior.
O sol batia na minha cara, meio de lado, mas com cara de amigo quando cheguei ao rio. Passei de um ombro para o outro o saco de quirela para a ceva. Do outro lado, um gavião mostrava a pose de um rei pousado no galho daquele Óleo que um raio secou. Eu que não sinto cheiro de grama, senti cheiro de grama. Era meio descida, desci meio correndo.
O “Gancho”, meu cachorro de dez quilos, partiu na frente. Quase antes de entrar na capoeira beirando o rio deu de parar. Começou a latir... Pensei em cobra. Cheguei com o cabo da vara maior virado para a frente. Era nada, coisa de cachorro pequeno. Virei para entrar no matinho e reparei, do lado de cá, que tinha algum pescando no meu poço.
Mão no facão. Ele estava de pé por causa dos latidos. Mais chegado, eu com jeito de soldado de delegacia, percebi que era um velho desconhecido. Meio que apalpando fui chegando. O sol se escondia. Ele sabia fisgar piabas. Conversamos muito. Esquecemos as varas. Esqueci de dizer, quando falava das iscas, que eu trazia uma pinguinha. Causa do frio. O conto dele.
O conto dele: “Vale a pena viver mais de oitenta anos”.
Comentei:
--- Quero viver cem.
Aquele sorriso de polpa de goiaba seguido de um dedo quase querendo apontar, disse:
--- Cem é muito.

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