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Palhaço, cavalo de fama.



Nota - O Batata escreveu este artigo em Dezembro de 2003

Eu não sou criador de cavalos, mas nasci na paixão. Quem cria cavalos precisa de uma personalidade particular e identificada, a qual não desenvolvi. Gosto de beber cerveja e escrever bobices.




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Texto na íntegra

A origem desta saga inicia-se com meu pai, Honório Garcia Palma, o Tenente, que foi ao Rio de Janeiro em Julho de 1936 levar o cavalo Palhaço à uma exposição do Mangalarga Marchador. De lá escreveu duas cartas a seu pai, o Coronel Honório Palma, que ficara em Altinópolis aguardando notícias da Exposição. Tenente escreve ao pai:

“(...) Querido Papai.
(carta em papel timbrado do Hotel Vera Cruz, Rua Pedro I no. 35, próximo à Praça Tiradentes)

Saudações.
Fiz boa viagem, só que estou muito cansado. Quanto ao Palhaço, vai bem. A classificação deve ser amanhã cedo. Tem uns cavallos que é uma maravilha, mas eu espero que o Palhaço não ficará muito atrás. Logo que for feita a comunicação, eu quero ter o prazer de comunicar a classificação do Palhaço.
Sem mais saudades aos manos, e com a Mamãe queira abençoar o filho.
Tenente

E na seqüência, a mensagem sobre a classificação do Palhaço:
(...) Rio de Janeiro, 18 de Julho de 1936

Querida Mamãe.
Já foi feito o julgamento dos cavalos, o Palhaço não foi classificado.
Formaram uma briga danada. Os julgadores eram os Junqueira ahi de São Paulo, e deram o prêmio para um cavalo muito ruim, e os outros deram na mala.
Os mineiros não aceitaram a classificação, nomearam uma comissão deles para a classificação de seu estado..
Os gaúchos ficaram no tinteiro, nem olharam para elles.
Saudades aos manos e queira abençoar com Papai o filho.
Tenente
Obs: Palhaço está fazendo figura.



Com base nessas correspondências e depoimentos de amigos, o Batata escreveu:

SÃO PAULO & MINAS – PALHAÇO

Outono no ar. A tarde do dia “meio da semana” parecia um domingo festivo. O povo, cerca de trezentas pessoas, estava agrupado à frente da Estação da Estrada de Ferro São Paulo & Minas. A banda de música “Lyra de Orpheu”, regida pelo maestro Ítalo Pierucci, estava na prontidão. Os meninos, adiantados como sentinelas, vigiavam a chegada do trem. Voltaram correndo, aos gritos de alegria, e logo se ouviram os três apitos alongados da locomotiva. Plataforma apinhada.
A banda retumbou os primeiros acordes da recém composta marchinha “São Paulo & Minas carrega nosso Campeão”. Obra da lavra do maestro Ítalo, encomenda especial do Coronel Honório Palma para o evento. Notas pistonadas e trinadas pelos instrumentos de sopro apoiadas nos bumbos e pelas tubas. Aplausos, gritos de alegria e saudação. O maquinista, tentando manter ritmo, alucinava os apitos da locomotiva. Foguetório de combate. Vivas... Vivas... Vivas...
Trem de carga com vagão único de passageiros. Ângelo Lúcio, no segundo degrau da escadinha do vagão, saudava com gestos largos. O povo literalmente o carregou nos ombros até perto onde estava o Coronel e os filhos: o Major, o Capitão e o Tenente. O povo quase fez silêncio.
O barulho da porta do vagão - gaiola abrindo trouxe um silêncio mais definitivo. Ângelo, segurando o cabresto, desceu a rampa do vagão conduzindo a estrela do dia: Palhaço, cavalo do Coronel que havia feito bonito na Exposição de Mangalarga do Rio de Janeiro. O campeão estava trazendo a medalha para a sua cidade. Cavalo não possui orgulho, mas aquele estava orgulhoso. Ângelo Lúcio, cavalariço – cavaleiro, alto, magro e corpulento dava falta de um corpo maior para conter sua alma que pedia para explodir. Tenente (Honório Garcia palma), que havia levado para o pai o Palhaço ao Rio de Janeiro, se sentia surdo, mudo, com o corpo formigando e uma lagoazinha nos olhos. Emoção pura.
Passada a recepção na Estação Ferroviária, muita gente quis “dar uma voltinha” no cavalo. Assim até chegaram à Praça da Matriz. Foi permitida a montaria para alguns. Palhaço representou, em Altinópolis, a sua categoria campeã de Marchador.
Marcou época.
Passo largo, com compasso na música suave e intenção de ir longe. Pêlo brilhante, afora à sela, reluzia ao sol da Capital da República. Cavaleiro, Ângelo, de primeira, dominava no adestramento e com a amizade de quem pegou no berço, Palhaço, o cavalo, desfilava na pista Mangalarga, em 1936, no Rio de Janeiro.
Tenente pediu ordem ao Coronel, e levou.
O embarque foi mais ou menos discreto. Estrada de Ferro São Paulo & Minas, Mogiana até Guará. Companhia de Estrada de Ferro Paulista, depois não sei. Chegaram lá.
Chegados,cavalo na baia, Tenente e Ângelo se hospedaram em hotel e, depois do banho completo, esperado em quatro dias, tiraram uma soneca de quatro horas. Bateu na porta do quarto o acadêmico de medicina Arsênio Agnesini. Terra distante, abraços efusivos. Arremessaram, juntos, ao Café Colombo. Às seis horas da manhã. Ângelo Lúcio já estava na Hípica cuidando do Palhaço. Tenente chegou cinco minutos depois. Estava pagando o chofer de praça. Negociava.
O belo e bom Palhaço, apesar de uma cabeça fenotípica meio pesada, foi classificado pela origem e pelo que era ademais. Os Junqueira, sei lá quais, premiaram um cavalo ruim.
A locomotiva, a 57, apitou depois da subida. Muita gente estava na Estação de Altinópolis para receber o Palhaço. Terra perto, abraços mais que efusivos. Abraços no perto chegante.
O meu pai Tenente morreu quando eu tinha dois meses nascido, em 1940, novembro. O Palhaço morreu de velhice na Fazenda Bela Vista, quando eu tinha oito anos. Juca Lourenço, meu avô materno, dono da Bela Vista, fez questão de enterrar junto ao Palhaço, cova bem feita, uma das esporas do Tenente. A outra, não uso no Carnaval, meu cavalo, filho da égua Valsa e do Fidalgo que, há quase um século, marchando, mantêm aquele passo de compasso na música suave e vontade de ir longe. Marchador.

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