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O aboio da saudade.



Neste texto, datado de 27 de Janeiro de 2005, o Batata retrata uma companhia de Santos Reis na fazenda Bela Vista - Altinópolis, à época de propriedade única do avô José Lourenço de Castro. Até o final dos anos 1970, as companhias de Reis realizavam a Festa do Gongo em 13 de maio, dia da congada, sempre à sombra da famosa Figueira da praça da Matriz, em Altinópolis. O Batata também fotografou muitas festas.

O Aboio da Saudade
por Luís Carlos Castro Palma

O horizonte ainda mostra o amarelo da aurora quando se ouve os primeiros acordes da companhia de reis. Um som triste na forma e alegre no conteúdo. Percebemos o apelo e o agradecimento na melopéia simples e plena de sentimentos purificados na fé genuína do caipira. Aproximando-se, ela se torna comovente e relaxante. Alma de caipira é alma caipira.
O menino está dentro de uma ansiedade ativa. Ora fica na cozinha entre as mulheres que preparam os quitutes. Biscoitos de polvilho, bolos de milho, broas de fubá, bules e bules de café. A cozinha é enorme, porém parece pequena pela agitação. Na verdade, são poucas as que arrumam as "quitandas" nas peneiras de bambu. A maioria é das mulheres da colônia, que ali estão para completar o ar festivo da ocasião. Logo depois o garoto, na sala onde se reúnem os homens da família e mais os convidados, está meio que sentado nas pernas do avô. Não demora muito. Agora percorre o comprido alpendre buscando, entre as arvores do jardim, a posição para visualizar a "colônia da ponte" de onde partirá a companhia de reis da fazenda. A musica chega até ele, lá embaixo o movimento parece pequeno. Nota, entretanto, que uma espécie de procissão se forma. Companhia à frente, lá vem ela. Luiz volta correndo para dentro de casa. Os homens se levantam; as mulheres da casa chegam da cozinha tirando os aventais. As grandes portas de entrada da saleta são abertas completamente. Neno solta as molas da vai-e-vem e as apóia com dois caldeirões. As pessoas que estão perto do portão do jardim, a maioria vinda das fazendas vizinhas, entram, com vagar, no alpendre. Deixam larga passagem para a entrada dos foliões. A família da casa se posiciona na saleta com modo de receber a companhia inteira sob o seu teto. Os primeiros a se aproximar são os palhaços. Na função de protegerem a bandeira, fazem questão de abrir ainda mais o espaço da passagem. Ao pé da escadaria, um apito. Silencio repentino. No chofre, retumbante a musica explode. Antes de pisar o primeiro degrau, o "embaixador" canta saudando e pedindo licença para entrar. Lindo, lindo, lindo. Cantoria caprichada. Todos da família, por sua vez, seguram e beijam a bandeira. Menino extasiado. Quarenta minutos de enlevação. O chefe da casa convida todos para um "cafezinho enquanto as nossas queridas patroas preparam o almoço que será servido mais ou menos ao meio-dia. Isso depois do padre ter chegado, feito o sermão na capela e ter benzido a companhia para o ano que vem".
O café foi mais ou menos rápido porque a companhia de reis ainda teria de visitar as três colônias. As visitas eram feitas no conjunto porque casa por casa seria muito. Casa por casa, só depois.
Santos Reis na década de 1970
Frangos assados e mais frangos assados; leitoas e mais leitoas. Bacias e bacias cheias de macarronadas. Panelões com arroz temperado. Doce de leite, de mamão e de cidra tinha para valer. Convidados das fazendas vizinhas e da cidade. O almoço era oferecido por todos da fazenda cada um dando a sua parte dos alimentos e dos preparativos. A organização era por conta de uma comissão de festeiros sorteada a cada ano sendo o fazendeiro o único efetivo.
Essa tradição permanece até hoje em alguns bairros rurais da nossa região. Em Santo Antonio da Alegria, SP, no bairro Pinheiros, por exemplo, ela é viva e famosa. Em Altinópolis acontece todos os anos. É o Aboio da saudade.

Sitio dos Cabete, palco de folia de Reis
Marcos Soares Ramos Cabete, um outro altinopolense da gema, também foi testemunha das cantorias de Reis

Fui vizinho da Bela Vista, famosa e movimentada fazenda de nossa querida Altinópolis. Morei no Sítio São Judas Tadeu que todos conheciam pela "Venda da Dona Helena", minha avó paterna. Cheguei a frequentar algumas destas festas da Bela Vista quando criança. A Folia de Reis também passava todos os anos por nossa casa onde armávamos um presépio com um pedaço de espelho formando um lago com areia branquinha e finíssima, que buscávamos no "Brejão". Para a grama colhíamos com uma faca os musgos das pedras e árvores de volta da casa.
Depois que passava a Folia de Reis vinha a nossa foliada na hora de passar escovão com palha de aço e encerar novamente a sala de piso de madeira do casarão construído em 1919.
Marcos Soares Ramos Cabete



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